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Meu intercâmbio, meu relato: México

Eu tinha apenas 15 anos quando resolvi fazer um intercâmbio. Em meados de 2001. Não sabia ao exato como começar a pesquisar sobre o assunto, nem quando eu poderia viajar ou aonde ir, e sequer havia viajado de avião alguma vez. Minha família não dispunha de recursos em abundância e ninguém havia sequer viajado alguma vez ao exterior. Eu não conhecia nenhum gringo ou sequer havia visto algum estrangeiro no interior do Paraná.


A internet estava tornando-se mais acessível, embora ainda muito limitada. As pessoas ainda utilizavam orelhão nas ruas. Foi quando descobri, ao acaso, um programa de uma instituição não governamental na região, onde teria que realizar algumas provas e etapas para tentar conseguir uma vaga como intercambista. Eram poucas, e eu sabia que precisava estudar muito para conseguir um espaço dentro daquele sistema.


Após muito estudo e dedicação, chegou o grande dia. Fui realizar as provas. A redação era sobre um tema da difusão da cultura brasileira no exterior. Escrevi com todo zelo e capricho que me competia à época. Me recordo que em uma das três entrevistas, um senhor de aproximadamente sessenta anos me perguntou: “Supomos que você passe em nossos testes e você eventualmente vá para os Estados Unidos. Aí você chega na escola e começam a te questionar sobre a Amazônia, afirmando ser um território não-brasileiro. Qual seria o seu posicionamento sobre o assunto?” – fiquei sem reação. Não tinha a mínima ideia de como me posicionar, em minha pequenez de dezesseis anos. Respondi: “Pois trata-se de território brasileiro sim”. Ele replicou: “Você não pode falar dessa maneira em ambiente internacional, seria inapropriado. A Amazônia é um território muito além do Brasil, embora uma parte da mesma esteja em território brasileiro”. Fiquei sem graça, mas compreendi. Depois desse “puxão de orelha”, voltei pra casa esperando um zero e rezando pra ter ido bem nas outras duas entrevistas.


Algum tempo depois, a data da divulgação dos resultados e escolha dos países havia chegado. Eram 150 candidatos para 40 vagas. Em diversos países. Um intercambista sairia daqui, e outro viria em seu lugar ao Brasil. Eu sabia que muita gente sairia dali chorando, sem vaga. Demorei a escutar meu nome... Estava apreensiva, suando frio. Quando chegou no trigésimo, escutei o meu nome no microfone. Que emoção! Fiquei muito contente por estar entre os selecionados. Ainda que fosse o último lugar eu estaria imensamente grata pela oportunidade.


Chegou minha hora. Me chamaram lá na frente, mamãe foi comigo. Um senhor muito simpático veio conversar conosco. Me parabenizou e disse “chegou a sua hora de escolher o país em que irá morar pelos próximos doze meses, mocinha!”. Quase chorei de alegria, empolgação, todos os sentimentos ao mesmo tempo. Ainda me emociono ao me recordar desse momento tão especial na minha vida.


Os primeiros colocados haviam escolhido países como Alemanha, Austrália, Dinamarca, Nova Zelândia e afins. Para a minha colocação haviam ainda alguns países de primeiro e terceiro mundo. Não sabia o que fazer, ou pensar. Foi quando o senhor simpático me disse “sei que muitos têm o sonho de ir aos Estados Unidos, mas essa vaga não é tão boa quanto a que temos no México. Te falo com absoluta certeza”. Fiquei curiosa e perguntei porquê. Ele respondeu: “esse lugar que temos parceria no México você terá o melhor a seu dispor, e não podemos dizer o mesmo dessa vaga nos Estados Unidos”. Minha mãe fez algumas perguntas e tirou dúvidas também na ocasião e... resulta que selecionei o México! E onde eu moraria? MAZATLÁN, simplesmente uma das melhores praias do país!



Eu ficaria em três ou quatro famílias anfitriãs. Elas seriam responsáveis por mim durante a minha estadia, pelos próximos doze meses. Eu havia estudado espanhol por dois anos antes dessa viagem. Sempre gostei de aprender idiomas, mas confesso que quando coloquei os pés no país não entendi absolutamente nada do que estavam falando. A entonação da pronúncia era muito distinta da que conhecia e muitas palavras também. Por sorte, a primeira família falava inglês – e eu consegui me comunicar nos meus primeiros meses dessa forma com mais eficácia.


Não foi fácil nos primeiros meses. Fiquei muito deprimida, tudo era bem diferente do que concebia como mundo. As pessoas tinham hábitos diferentes e nada do que eu conhecia no Brasil existia ali. Exceto o Carnaval. Por sorte, a minha primeira “mãe mexicana” era uma advogada muito bem instruída, que teve a sagacidade de sentar comigo um dia e dizer “Carol, você precisa sair e fazer amizades. Vá à faculdade, faça amigos. Eu vou lhe apresentar os jovens que conheço também, amigos de meus filhos. Tudo isso irá te ajudar a se integrar melhor no país e com a cultura. Conheça também os demais intercambistas aqui na cidade, provenientes de outros países. Tudo isso irá te ajudar a superar esse sentimento de nostalgia com o Brasil e seguir adiante”.


E foi assim que eu renasci. Desconstruindo o mundo que conhecia antes e abrindo a minha mente e o meu coração a esse novo país, que me recebia em seus braços. Aprendi a andar de ônibus, a pé, de pulmonía (veículo típico da região), fui à faculdade e comecei a cursar Administração Turística. O pessoal da faculdade era MUITO cabeça aberta, simpático e curioso sobre o nosso querido país. Fiz amizade com os amigos dos filhos da minha primeira mãe mexicana, conheci os outros intercambistas: da Alemanha, Bélgica, Estados Unidos, França, Japão, Tailândia, dentre outros. Comecei a estudar espanhol no centro da cidade com uma professora particular mexicana, a fim de compreender melhor o idioma. Comecei a frequentar locais típicos e tentar emergir cada vez mais na cultura daquele país tão interessante.


Fui para a segunda família. Em outro bairro, outra realidade. Lá havia somente a mãe, uma professora universitária muito culta. Ali aprendi a ficar mais independente, fui tentando me comunicar cada vez mais e mais em espanhol. Sofri com a alimentação no início, pois consome-se muita pimenta no país. Demorei a me adaptar, mas depois que me acostumei não trocava mais um prato de tacos de tortilla de maíz por nada neste mundo. Minha segunda “mãe mexicana” me ensinou a preparar salsa e a comer tostadas de pescado. Eu já completaria seis meses no país e meu espanhol estava desabrochando, como uma flor tímida após um longo inverno.



Durante meu intercâmbio participei de alguns eventos culturais muito interessantes: Día de los muertos, Día de la Independencia, Festa das Nações (onde pude fazer alguns pratos típicos do Brasil com o auxílio de outros brasileiros), Voluntariado para arrecadar fundos para crianças pobres no país, conferências para divulgar um pouco da nossa cultura. Como eu sentia falta do meu amado país, apesar de ter aprendido amar aquele novo país que me recebera com o coração tão aberto!


Infelizmente não dei muita sorte nas minhas duas últimas famílias. Mas nada disso abalou a minha vontade de estar ali e evoluir como ser humano. Eu já estava ali há mais de seis meses, já sonhava em espanhol e me comunicava com fluência. Viajei pelo país todo, fiz a Rota Maia. O pouco de dinheiro que tinha investia em programas culturais, shows de cantores do México (Julieta Venegas, Café Tacuba, Molotov, etc) e eventos locais. Tinha o apoio de meus pais no Brasil, no qual aproveito para externar minha imensa gratidão por viabilizarem um sonho tão grande. Sinto que realmente conheci o país como gostaria. E como deveria!




Retornei ao Brasil com dezoito anos e com uma bagagem tão grande de experiências que já não conseguia mais me adaptar ao meu próprio país. Demorei pra conseguir voltar a falar o português normalmente, a entender os papos dos meus amigos. E nunca mais deixei de viajar. Acredito que quando emergimos em uma outra cultura aprendemos tanto que voltamos aos nossos próprios países pessoas muito melhores. E se agregarmos tudo isso às nossas vidas e nossas realidades, talvez estejamos fazendo alguma diferença no mundo. Se eu pudesse dar alguma dica hoje pra qualquer pessoa que esteja pensando em se lançar nessa empreitada eu diria: “Vá, e vá sem medo! E prepare-se para a maior jornada da sua vida! Haverão algumas vezes que você irá chorar e outras rir, mas concentre-se na experiência e vivencie com a alma aberta cada segundo neste novo lugar”. Eu fui achando que a Amazônia era somente do Brasil e voltei achando que o mundo é um lugar para todos...


Depoimento gentilmente escrito e concedido à Twiy International.

Autora: Ana Carolina dos Santos

Data do intercâmbio: janeiro a dezembro de 2004

Local: Mazatlán, México

Mora em: Maringá - Paraná


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